A tecnologia digital vem transformando o cuidado em saúde em todo o mundo, mas também abriu espaço para um fenômeno perturbador. Os cominadores do indesejado agora se escondem atrás das telas, aproveitando-se das facilidades do mundo em tempo real para agir como se estivessem em uma terra sem lei. Assédio online, perseguição virtual, compartilhamento não consensual de imagens íntimas e até o controle coercitivo por aplicativos e portais digitais são exemplos de abusos que, mesmo no ambiente virtual, deixam cicatrizes reais na mente, no corpo e na vida das mulheres.
Na Região Europeia da OMS, uma em cada quatro mulheres sofre violência física ou sexual ao longo da vida. O avanço da saúde digital, se por um lado amplia acesso e oportunidades, por outro exige barreiras firmes contra o uso distorcido das ferramentas que deveriam proteger e não ferir. Evidências recentes já mostram casos em que a violência íntima cruza a fronteira do físico para o digital, com invasões em dados de saúde, interferências em consultas de telemedicina e ameaças lançadas por redes sociais e portais de pacientes.
Profissionais de saúde estão no olho desse furacão. São eles que recebem, muitas vezes em silêncio, mulheres que buscam atendimento sem conseguir revelar que estão sendo vítimas de abuso. Isso transforma hospitais e clínicas em pontos de contato cruciais para identificar sinais, interromper ciclos de violência e oferecer proteção. O problema é que, em boa parte dos países da Região Europeia, ainda faltam protocolos e serviços estruturados para acolher essas mulheres de acordo com as normas internacionais.
A OMS Europa decidiu reagir. Lançou uma iniciativa especial para enfrentar a violência contra mulheres e meninas, com medidas que incluem atualização de protocolos clínicos, treinamento específico para equipes de saúde, fortalecimento da coleta de dados, criação de parcerias com autoridades policiais e plataformas digitais, além de campanhas públicas de conscientização. A proposta também exige que os países integrem a segurança digital como prioridade em suas políticas nacionais de saúde.
O recado é direto: a tecnologia pode empoderar, mas também pode aprisionar. O setor de saúde precisa assumir o papel de guardião para que a inovação digital não seja mais uma arma contra mulheres, mas um instrumento de dignidade, equidade e proteção.
Fonte: The Lancet