Mulheres morrem mais de infarto, mas continuam invisíveis para a ciência

Velada por uma tendência patriarcal que ainda se esgueira em nossa sociedade, alimentada por ideologias de gênero arcaicas, a saúde feminina continua sendo tratada como menos relevante que a masculina. O resultado são dores irreparáveis, como o fato de mulheres morrerem mais de infarto do que homens, mesmo quando a doença é mais comum neles.

Esse paradoxo não é coincidência, é consequência. O coração feminino fala, mas a ciência e a medicina ainda insistem em silenciar. Durante décadas, pesquisas cardiovasculares foram feitas majoritariamente em homens, criando protocolos clínicos que não traduzem a realidade das mulheres. Quando elas sofrem sintomas diferentes, como dor no peito acompanhada de náusea, falta de ar ou cansaço extremo, muitas vezes são desacreditadas, tratadas como ansiedade ou simplesmente chamadas de “atípicas”. Esse rótulo, aparentemente inofensivo, custa vidas.

Os números não deixam dúvidas. Mulheres com infarto agudo grave têm quase 1,5 vez mais risco de morrer durante a internação do que homens. Também chegam mais tarde ao hospital, muitas vezes por não reconhecerem os sintomas como cardíacos. Quando o atendimento passa de quatro horas, a mortalidade feminina dispara, chegando a ser quase o dobro da masculina.

A desigualdade também se mostra na prevenção. Apenas 21,8% das mulheres recebem a terapia medicamentosa ideal após um infarto, contra 41,4% dos homens. Estatinas, remédios essenciais para reduzir o risco de novos eventos, seguem subprescritas para elas. Nos ensaios clínicos, o apagamento é ainda mais evidente. Menos de 30% dos participantes de grandes estudos cardiovasculares são mulheres.

E o peso não é só biológico. Mais de 80% do cuidado não remunerado no mundo é feito por mulheres, e esse estresse crônico aumenta risco de hipertensão, inflamação e doenças cardíacas. Além disso, complicações da gestação, menopausa precoce e violência doméstica entram como determinantes invisíveis que ampliam a vulnerabilidade feminina.

A publicação da The Lancet Regional Health – Europe não deixa espaço para desculpas. É urgente treinar equipes médicas para reconhecer sinais femininos, incluir mulheres em ensaios clínicos e adaptar protocolos à realidade delas. Campanhas públicas precisam voltar a dizer, alto e claro, que a doença cardiovascular é a principal causa de morte entre mulheres.

O alerta é direto. Mulheres não são apenas homens de coração menor. São corpos diferentes, realidades diferentes, riscos diferentes. Enquanto isso não for levado a sério, cada minuto será mais uma vida perdida no silêncio estatístico.

Fonte: The Lancet Regional Health – Europe

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